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do corpo para a voz-corpo


imagem de oficina de percussão corporal realizada na cidade de Xalapa - MX

inaugurando esse espaço do blog, com o desejo de compartilhar as reflexões e processos que permeiam toda a pesquisa viva que constitui Voz e Criatividade. e para começar, resgato alguns pensamentos sobre o corpo.

e por que o corpo, e por consequência a voz-corpo? eu me faço essa pergunta muito antes de decidir seguir a música como profissional. nasci e cresci uma parte da minha vida entre dispositivos analógicos e vi a chegada do digital no meu cotidiano, acompanhando as benesses e as traições que esses dispositivos traziam para mim.

sou filha de programadores, então a tecnologia nunca foi um mistério ou um desafio, mas sim ferramenta e ponte para criar e conectar muitos mundos. mas entre as traições, havia algo que sempre me inquietou - a mudança da nossa relação com o tempo, e o quanto isso impacta a nossa corporalidade.

um mundo automatizado facilita muitas coisas, é fato. encurta distâncias, permite que pessoas de outros países (e talvez até de outros planetas...) possam me ler, me escutar, se conectar comigo. por outro lado, gera uma ilusão de velocidade, que se sobrepõe à velocidade do corpo.

o corpo tem seus processos orgânicos e motores, que precisam de um tempo vivido para consolidar experiências. esse tempo é diferente da velocidade de um elétron ou de uma onda eletromagnética. é um tempo do crescimento, do desenvolvimento de habilidades motoras, o tempo do sono, o tempo da digestão, o tempo de sedimentar as emoções.

um tempo que merece tempo de descanso e de atividade, que se desdobra em suas frestas ao longo dos caminhos da experiência, que precisa de realizar atividades, do fazer com paciência, com afeto, com compaixão (e auto-compaixão...).

daí que os automatismos causam ilusões de um tempo imediato, um tempo que parece um tanto com o tempo da mente, que recebe muitos estímulos simultaneamente, e que com velocidades muito aceleradas parece ter um entendimento imediato de tudo. mas eu considero isso uma grande ilusão.

fui observando isso quando precisei não mais virar o lado de um disco para escutar o album inteiro, depois nem trocar o cd da bandeja, bastando acessar playlists que me entregavam tanto em tão pouco tempo. e da mesma forma como foi diminuindo meu tempo de atenção para as coisas, um album com mais de 30 minutos, quem escuta inteiro? ou mesmo um vídeo nas redes sociais, vejo mais de 3 segundos? 3 segundos? que espécie de informação estamos recebendo?

e expando essa percepção para muitas outras coisas, para o que consumimos (comidas prontas ou ultraprocessadas, excesso de equipamentos e aparatos para tudo, sempre surgindo um novo modelo tornando o de ontem mais que obsoleto), para o que apreciamos, para como nos conectamos... e também para as imagens do corpo que recebemos ainda mais exaustivamente - imagens e sons que definem como devemos ser, como nos vestir, como soar. normatizações que para mim ecoam como violências veladas, afastando nosso potencial criativo e expressivo daquilo que podemos ser.

são ilusões - vendidas cotidianamente através de uma torrente de imagens. isso afeta uma busca autêntica por processos pessoais e possíveis, de construção de subjetividades, por caminhos criativos. e então eu venho defender a possibilidade de existência de uma multiplicidade de corpos, de uma corporalidade plural e diversa, anticapacitista, calcada numa pesquisa criativa de si.

voltando para o corpo, cada corpo é uma narrativa, uma história, uma trajetória, um acervo de memórias e experiências únicas. essa unicidade é a beleza e a preciosidade que me interessa. meu trabalho é para que não nos esqueçamos disso, para que cada pessoa possa encontrar conforto em seu processo pessoal de descoberta das suas possibilidades e especialidades sonoras, musicais, artísticas, na pesquisa da voz-corpo.

as técnicas, os estudos, as tecnologias, são ferramentas auxiliares. e a criatividade não é algo inatingível e inédito para o mundo, mas apenas a possibilidade pessoal de desviar um pouquinho do que seriam os lugares comuns e cotidianos dos fazeres que permeiam essa prática.

e isso é uma outra conversa para uma outra reflexão, que logo compartilharei aqui


seguimos

Ritamaria

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